Juros
de mora e a taxa SELIC nos
débitos
locatícios e condominiais
*Geraldo
Beire Simões
1. Desde a edição do Novo Código Civil de
2002, temos sustentado, em vários e
esparsos escritos e no prefácio do livro “CONDOMÍNIO” de autoria da juíza
Thelma Araújo Esteves Fraga e do advogado e professor Cleyson de Moraes
Mello, Livraria Freitas Bastos, 2003, que no calculo dos juros de mora, seja na relação de
locação urbana, seja na relação do condomínio edilício a taxa a ser aplicada é aquela decorrente da taxa SELIC.
Para firmamos a nossa convicção
técnica-jurídica, é necessário que, antes, se faça um
escorço histórico sobre juros
moratórios, ou juros legais, a partir do Código Civil Brasileiro de 1916, até o presente momento.
2. Pela sistemática do Código
Civil de 1916, os “Juros Legais” estavam regulados nos art. 1.062, 1.063 e 1.064, sendo certo
que o art. 1.062 dispunha que:
“Art. 1.062. A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (art. 1.262)
será de 6% (seis por cento) ao ano.”
A remissão, entre parênteses, ao art. 1.262 do mesmo Código Civil, efetuada pelo mencionado art.
1.062, foi para ressaltar a permissão,
por cláusula expressa, fixar juros “abaixo ou acima da taxa legal (art. 1.062),
com ou sem capitalização”
Significa dizer que era
livre a estipulação da taxa de juros moratórios, “abaixo ou acima da taxa legal
(art. 1.062), com ou sem capitalização”, e quando não convencionada, ai
sim, seria de 6% (seis por cento) ao ano, ou seja 0,5% (meio por cento) ao mês.
3. Essa liberdade de fixação da taxa de juros vigorou desde o
dia 01 de janeiro de 1917, início da vigência do CC/1916 até
o dia 07 de abrl de 1933, quando com o advento do Decreto n° 22.626, de 7 de abril de 1933, restou modificada a
sistemática então vigente.
Com efeito, dito diploma legal no
seu Art. 1°
foi expresso em ditar que “Art.
1°. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em
quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código
Civil, art. n° 1.062).”
Observe-se que o aludido art. 1° do Decreto n° 22.626/33 fez expressa
referência, entre parênteses, ao art.
1.062 do Código Civil de 1916, para não deixar dúvida alguma de que os
juros legais, ou moratórios, não poderiam, a partir do dia 07 de abril de 1933,
terem taxa superior a 12% (doze por cento) ao ano, ou 1% (hum por cento) ao mês.
Tal sistemática vigorou até o dia 11
de janeiro de 2003, dia em que entrou em vigor o Novo Código Civil
Brasileiro, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
4. A partir do dia 11
de janeiro de 2003, qual o percentual
da taxa dos juros moratórios?
Qualquer percentual.
Porque voltou a liberdade da fixação da taxa, tal qual
existia na vigência do Código Civil de 1916, até o advento do
disposto no antes mencionado art. 1° do Decreto 22.626, tendo em
vista o novo tratamento legal dado pelo
Novo Código Civil aos juros legais.
5. Com efeito, os “Juros Legais” no Novo Código Civil estão regulados nos arts. 406 e 407.
O referido art. 406 do Novo Código Civil recebeu a seguinte roupagem legal: “Art.
406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou forem sem
taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados
segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos
devidos á Fazenda Nacional.”
A disposição correspondente no Código Civil de 1916 é a do art.
1.062, que diz, consoante já visto:
“Art.
1.062. A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (art. 1.262) será
de 6% (seis por cento) ao ano.”
A diferença entre essas
regras é que na sistemática do Código Civil de 1916, quando não fosse
convencionada a taxa dos juros moratórios,
ela seria de 6% (seis por cento) ao ano, e no Novo Código Civil,
se não convencionada será fixada segundo a taxa que estiver em vigor para a
mora do pagamento de impostos devidos á Fazenda Nacional.
6. Mas o importante a ser registrado - para o que iremos afirmar mais adiante - tanto na sistemática do Código Civil de 1916, até o ano de
1933, quanto da vigência do Novo Código Civil de 2002, a partir de
11 de janeiro 2003, é livre a
convenção sobre a taxa de juros moratórios.
Se a taxa não for convencionada,
ai sim, seria “de 6% (seis) por cento) ao ano”, de 1916 até 1933, e, a partir de 11 de janeiro de 2003, “serão
fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de
impostos devidos à Fazenda Nacional”, em conseqüência da expressa revogação do anterior Código Civil de 1916 pelo art. 2.045 do Novo Código Civil.
7. Resta saber-se se o
disposto no art. 1° do Decreto 22.626, de 1933 foi, ou não, revogado pelo disposto no art. 406 do Novo Código Civil.
A reposta é pela afirmação da sua revogação, sem qualquer sombra de
dúvida.
Isto porque o legislador de Decreto 22.626, de 1933 quis algemar
as taxas de juros em patamar não
superior ao dobro da taxa legal, disposta no art. 1.062 do Código Civil de 1916, que era de 6% (seis por cento)
ao ano.
Agora, o Novo Código Civil soltou as amarras da convenção sobre taxa de
juros ao editar o art. 406,
revogador do mencionado art. 1.062 do
Código de 1916, cujo dispositivo
era referenciado pelo art. 1° do Decreto 22.626/1933.
Conseqüentemente, a partir do dia 11 de janeiro de 2003, a
taxa dos juros legais, ou moratórios ,poderão ser livremente
convencionados.
A uma porque o art. 406
do Novo Código Civil
substituiu a taxa de 6% (seis
por cento) ao ano, pela aquela devida para a mora do pagamento dos impostos à
Fazenda Nacional.
A duas porque a taxa
dos juros moratórios devidos no pagamento dos impostos são cumulados
mensalmente, fato esse que estimulará
o devedor a liquidar no menor prazo o seu débito, tal qual quando vigia as extintas ORTN, OTN, BTN e BTN diária, época em que todos os devedores
apressavam-se em pagar o que deviam.
8. No momento, os débitos
devidos à Fazenda Nacional estão sujeitos à incidência da SELIC, cumulada
mensalmente. Pouco importa que tal SELIC
seria considerada por alguns como
inconstitucional, porque não teria
sido criada por lei, mas, sim, por
Resolução do Banco Central e “encaixada” na Lei n° 9.065, de 20 de junho de 1995, cujo art.
13 determinou que “a partir de 1°
de abril os juros” de que tratam diversas leis tributárias , seriam “equivalentes à taxa referencial do Sistema
Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada
mensalmente.”
E nada importa porque no mesmo dia em que, se for o caso, o Poder Judiciário venha a decretar a
inconstitucionalidade da mencionada SELIC,
por óbvio, que o Poder Executivo editará Medida Provisória instituindo
outro indexador substituto da referida SELIC, já que, certamente, não abrirá mão dos
juros moratórios devidos à Fazenda Nacional.
9. Terminado esse
escorço, voltemos ao nosso entendimento, no sentido de que pode ser aplicada a
taxa SELIC nos débitos locatícios e condominiais.
10. Com efeito, as vozes que se levantaram de modo contrário
ficaram suas opiniões no disposto no Enunciado 20, aprovado pelo Centro
de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, do seguinte
teor: “Art. 406: a taxa de juros
moratórios a que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, § 1°, do Código Tributário Nacional, ou
seja, 1° (um por cento) ao mês.
11. Na justificativa
o mencionado Centro de Estudos Judiciários disse que “A
utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é
juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é
operacional porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros
ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo
Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser
incompatível com o art. 192, § 3° da Constituição Federal,
se resultarem juros reais superiores a 12° (doze por cento) ao ano.”
No entanto, sem a mínima razão esse entendimento.
12. De fato, dispõe o art. 161 do Código Tributário
Nacional que “O crédito
não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora (...)”
O “crédito” a que
se refere o mencionado art. 161 do
CTN, por óbvio, que se trata de crédito
tributário, e não crédito civil,
razão pela qual não faz o menor sentido e peca-se, juridicamente, entender-se
que “a taxa de juros moratórios a
que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, § 1°, do Código Tributário Nacional, ou
seja, 1° (um por cento) ao mês”.
Ademais, não procede o
entendimento de que “A utilização da
taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede
o prévio conhecimento dos juros”, porque a taxa SELIC é
divulgada mensalmente, sendo certo que se adotada essa taxa os contratantes
sabem de antemão que ela sofrerá variações apuradas a cada mês.
Por outro lado, não cabe
o entendimento que “não é operacional porque seu uso será inviável sempre
que se calcularem somente juros ou somente correção monetária” porque ela foi adotada para a fixação de
juros, nada tendo a ver com correção monetária, que estará sujeita a outros
indexadores, livremente escolhidos pelas partes.
Acresce que não é “incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil,
que permite apenas a capitalização anual dos juros” uma vez que o aludido art. 591 CC/2002 se refere a mútuo
a fins econômicos, enquanto que o art. 406 do CC/2002 se refere
a juros moratórios ou legais.
Por fim, não é
“incompatível com o art. 192, §
3° da Constituição Federal,
se resultarem juros reais superiores a 12° (doze por cento) ao ano”, porque o
mencionado dispositivo constitucional regulava o Sistema Financeiro Nacional, e aqui se está diante, repete-se, de juros moratórios ou legais, sendo certo, ademais,
que tal regra foi expressamente revogada pela Emenda Constitucional n° 40, de 30 de maio de 2003, ou seja 4 meses e 19 dias após a entrada em vigor do Novo
Código Civil no dia 11 de janeiro de 2003.
Portanto, por qualquer ângulo que
veja o entendimento do Enunciado n° 20, do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
Federal, constata-se, com facilidade, que ele está ancorado em falsas
premissas.
13. Agora, conclui-se que não estávamos sozinhos no
nosso entendimento.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça no RESP N° 806.348-SP (2005/0214299-8), debaixo da relatoria
do Ministro Luiz Fux , na Primeira Turma, por unanimidade, assentou que “Os juros moratórios (...) são devidos (...) à base de 0,5%
(meio ponto percentual) ao mês até a entrada em vigor do Novo Código Civil
(Lei n° 10.406/2001) e, a partir de então, segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento
de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406). Taxa esta que, como de
sabença, é a SELIC, nos expressos termos da Lei n° 9.250/95.”
No aludido RESP n° 806.348-SP o Ministro Luiz Fux invoca os precedentes dos Recursos
Especiais : 666.676-PR;
803.628-RN; 745.825-RS;
686.751-MG.
A somar-se à esses precedentes acrescentem-se os RESP números
: 807.880-RN e 710.385-RJ
“(4. Quando os juros
moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando
provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em
vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional ( art.
406 do CC)” “(5. A taxa à qual se refere o art. 406 do CC é a SELIC, tendo em
vista o disposto nos art. 13 da Lei n° 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39 § 4° da Lei 9.250/95, 61, § 3° da Lei 9.430/96 e 30 da Lei
10.522)”.
14. De tudo o que viu, a taxa SELIC pode, e deve, ser aplicada nos
contratos de locação urbana, bem como nas convenções condominiais.
O que os locadores e os condomínios estão esperando ?
Rio de Janeiro, março de
2007
*Geraldo Beire Simões,
é Presidente da ABAMI
do Rio de Janeiro.