O impacto da recente decisão do STF (RE 352940) no mercado
imobiliário.
Entrevistado dr. Geraldo Beire Simões, Diretor Jurídico
da ABAMI Associação dos Advogados do Mercado Imobiliário.
Pergunta: O Ministro Carlos Velloso entendeu que a previsão
da moradia como direito fundamental, introduzida pela Emenda Constitucional
26/2000 torna inconstitucional a Lei 8.245/91. Há, de fato,
inconstitucionalidade?
Resposta: Em primeiro lugar, a decisão monocrática
do Ministro Carlos Velloso não taxa de inconstitucional toda
a Lei 8.245/91, mas tão somente o disposto no inciso VII
do art. 3° da Lei n° 8.009/1990, introduzido pela Lei do
Inquilinato (Lei n° 8.245/91), cujo inciso criou mais uma exceção
à impenhorabilidade do bem de família ao ensejar poder
ser penhorado o imóvel de propriedade de fiador "por
obrigação decorrente de fiança concedida em
contrato de locação."
Mas o que importa afirmar, frize-se, é que mencionado dispositivo
não é inconstitucional, conforme equivocadamente entendido
pelo Ministro, assim como também não são inconstitucionais
as demais exceções previstas nos incisos do art. 3°
da Lei 8.009/1990, ou seja: I (créditos de trabalhadores
da própria residência e das respectivas contribuições
previdenciárias); II (titular de crédito decorrente
do financiamento destinado à construção ou
à aquisição do imóvel ) III (credor
de pensão alimentícia); IV (cobrança de impostos,
predial ou territorial, taxas e contribuições devidas
em função do imóvel familiar); V (execução
de hipoteca sobre o imóvel como garantia real pelo casal
ou entidade familiar); VI (imóvel adquirido com produto de
crime ou para execução de sentença penal condenatória).
O Ministro Carlos Velloso fundamentou sua decisão com escora
no fato de a Emenda Constitucional ter incluído dentre os
direitos sociais do art. 6° da Carta Maior a "moradia",
e, como decorrência, constituiria a moradia um direito fundamental
de segunda geração, direito social, "que dever
ser protegido e por isso mesmo encontra garantia na Constituição"
Não é correta essa decisão do Ministro Carlos
Velloso.
Com efeito, no dia 14 de fevereiro de 2000, na solenidade da promulgação
da Emenda Constitucional n° 26, o senador Mauro Miranda pronunciou
discurso dizendo: "O Congresso Brasileiro está inserindo
no texto da Constituição a esperança de que
a moradia pode deixar de ser apenas um sonho para milhões
de família brasileiras. São os excluídos sociais
que não têm nenhum teto, dando números sombrios
ao déficit de 5,2 milhões de unidades habitacionais,
sendo que outras sete milhões de famílias vivem em
palafitas, barracos de favelas, choupanas e outras formas precárias
de abrigo. A emenda constitucional que hoje estamos aprovando é
um grande passo a solução do problema endêmico
da carência de moradias, que tem sido crescentemente agravado
com as crises econômicas e com o desemprego. Contudo, essa
mudança nas normas jurídicas do País só
será uma solução definitiva se a sociedade
assumir a consciência de que agora tem uma ferramenta para
implementar uma cruzada nacional, um grande mutirão social,
em benefício de políticas públicas, de programas
específicos e de pesados recursos orçamentários
para a moradia. O Congresso está dando o instrumento, e a
sociedade, mobilizada por seus mais legítimos segmentos de
ação e expressão, produzirá as pressões
e os fatos".
Significa dizer que compete ao Estado solucionar o problema da moradia
e não ao cidadão isoladamente.
Aliás, premonitoriamente, a própria Lei do Inquilinato,
em 1991, muito antes da Emenda Constitucional n° 26/2000, já
havia contribuído para ajudar a solucionar a questão
da falta de moradia, quando, no seu art. 86, deu nova redação
ao art. 8° da Lei n° 4.380, de 21 de agosto de 1964, que
regula o Sistema Financeiro da Habitação, para, além
de facilitar e promover a construção e a aquisição
da casa própria, ali incluiu "ou moradia".
Este pioneiro gesto da Lei do Inquilinato, recebeu rasgado elogio
do Desembargador Sylvio Capanema de Souza, ao dizer, na sua festejada
obra "A Nova Lei do Inquilinato", Forense, 1ª. Ed.,
1993, pág. 361: "Uma das mais corajosas, profundas e
eficazes medidas no sentido de combater o déficit habitacional
e aquecer a oferta de novas unidades, foi introduzida pelo artigo
86, ao modificar a redação do artigo 8° da Lei
n° 4.380, que regula o Sistema Financeiro da Habitação.
A modificação, quase imperceptível, aos menos
avisados, se constitui no acréscimo das palavras "ou
moradia", o que ampliou, de maneira significativa, os objetivos
do sistema, antes destinado apenas à construção
e aquisição da casa própria. Com a nova redação
será possível a obtenção de financiamento,
perante os agentes financeiros do sistema, para a construção
de imóveis para locação, e não só
para a venda, o que aliviará a pressão da demanda,
que provoca o aumento dos aluguéis. Por outro lado, o adquirente
de imóvel financiado pelo sistema, ao contrário do
que ocorria antes, poderá alugá-lo a terceiros. Com
isto também, se aquecerá a oferta, carreando-se para
o mercado muitos imóveis, antes vazios"
Tudo isso confirma que a inclusão da moradia no rol dos direitos
sociais destina-se a que o ESTADO, com o ferramental legislativo
de que dispõe, exerça obstinada e firme política
social em prol não somente da moradia, mas também
da educação, da saúde, do trabalho, do lazer,
da segurança, da previdência social, da proteção
à maternidade e à infância, da assistência
aos desamparados, todos direitos sociais esses previstos no art.
6° da Carta Política.
Logo, repetimos, não é inconstitucional a exceção
prevista no inciso VII do art. 3° da Lei n° 8.009/1990 que
permite a penhora do imóvel do fiador "por obrigação
decorrente de fiança concedida em contrato de locação"
A pensar-se desse modo, também seria inconstitucional a penhora
do imóvel nas demais hipóteses dos incisos I, II,
III, IV, V e VI do mesmo art. 3° da Lei n° 8.009/1990.
Se essa moda pegar...
a) não poderá ser penhorado o imóvel residencial
próprio por dívidas de créditos dos trabalhadores
da própria residência e das respectivas contribuições
previdenciárias (inciso I);
b) não poderá ser penhorado o imóvel por dívida
de empréstimo destinado à construção
ou à aquisição de imóvel (inciso II),
nesse caso como ficarão os agentes financeiros, notadamente
a Caixa Econômica Federal, a maior financiadora de construções
de imóveis novos e aquisições desses mesmos
imóveis ?
c) não poderá ser penhorado o imóvel por dívida
de pensão alimentícia (inciso III), nessa hipótese
o alimentando morrerá de fome ?
d) não poderá ser penhorado o imóvel por dívida
do imposto predial ou territorial, taxas e contribuições
devidas em função do imóvel familiar (inciso
IV), e por isso as Prefeituras de todas as Cidades do Brasil não
auferirão as suas receitas tributárias prediais e
territoriais e vão viver de quê ?. E os Condomínios
Edilícios ficarão sem as arrecadações
das contribuições dos condôminos e, conseqüentemente,
não terão numerários para pagamentos dos salários
dos empregados; dos consumos de água e de energia elétrica;
dos pagamentos dos contratos de conservação dos elevadores
e muitos outros ?
e) não poderá ser executada a hipoteca sobre o imóvel
oferecido como garantia real (inciso V) como ficarão os credores
hipotecários ? pura e simplesmente perderão os seus
créditos ?
f) não poderá ser penhorado imóvel adquirido
com produto de crime ou para execução de sentença
penal condenatória a ressarcimento, indenização
ou perdimento de bens (inciso VI), ou seja até os criminosos
de toda espécie, notadamente aqueles envolvidos com o narcotráfico
ficarão com o seus imóveis residenciais próprios
isentos de execução !
Pergunta: "Ciente de a proteção à moradia,
prevista no artigo 6° da Constituição da República,
é um direito fundamental, a atitude de penhora o único
bem do fiador, caso o inquilino não arque com sua responsabilidade
de pagar o aluguel, não é uma atitude inconstitucional?
Resposta: Na resposta à pergunta anterior, já acentuamos
a inocorrência de inconstitucionalidade do inciso VII do art.
3° da Lei n° 8.009/1990, incluído pelo art. 83 da
Lei do Inquilinato.
Muito melhor do que nossas palavras é conveniente reler-se
a sentença proferida pela juíza Teresa de Andrade
Castro Neves, nos autos dos Embargos à Penhora, proc. 2003.001.100274-2,
da 17ª. Vara Cível do Fórum Central da Comarca
da Capital do Estado do Rio de Janeiro, em cujo feito funcionou
em prol da locadora o jovem e culto advogado Luiz Fernando Marin,
em cuja peça, a nosso sentir, as coisas foram colocadas no
devido lugar, ao afirmar: "Apesar de sensível à
questão da proteção à moradia no art.
6° da Constituição da República, entendo
que os princípios constitucionais não são absolutos,
devendo ser harmonizados com os demais direito, entre eles o da
propriedade, também considerando direito fundamental, prevista
sua proteção no mesmo art. 5°, caput e no seu
inciso XXII da Constituição da República. O
direito de propriedade importa no usar, fruir e dispor daquilo que
é seu. Pois bem, importa em receber os frutos pela utilização
da posse inerente a propriedade, no caso os alugueis. Assim, os
fiadores ao assumirem esta posição, de antemão
sabem do risco que estão submetidos. Sabem que caso o locatário,
devedor original não pague os alugueis e encargos, responderão
com o seu patrimônio pela dívida alheia. Diante desse
quadro, desta ordem legal, assumiram os Embargantes a condição
de fiadores. Agora que lhes é instado o cumprimento de sua
obrigações tentam se desonerar, sem nada pagar, alegando
o direito a moradia, negando o direito de propriedade, também
constitucionalmente protegido do Locador, Embargado. Tal não
é possível, seja por senso comum de justiça,
seja porque em respeito a um princípio não se pode
violar outro. Os dois relativos, também o Locador de desse
em hipoteca bem seu e viesse após ser executado, não
poderia invocar o respeito à propriedade, posto que de livre
e espontânea vontade se despiu em parte deste, comprometendo
seu bem. O mesmo fizeram os fiadores, se despiram em parte da garantia
de sua moradia para garantir dívida de terceiro (...) Não
podem simplesmente se desobrigar e transferir a responsabilidade
de seus atos a terceiro, no caso, o Embargado que teve todas as
cautelas legais para reduzir os riscos da locação.
Tal agir é contrário ao princípio da boa-fé,
não é assim que agem os homens de bem, eles honram
seus compromissos, mesmo em dificuldades. Pois bem, harmonizando
estes princípios que são relativos, entendo que não
é inconstitucional o citado inciso VII do art. 3° da
Lei n° 8.009/90, que visa inclusive garantira o direito à
moradia à moradia, que não é apenas a própria,
mas também a locada, estimulado a colocação
no mercado de imóveis em locação. Caso contrário,
se não concedermos tal segurança aos locadores faremos
o sentido inverso, como já vislumbramos em outro cenário
econômico do país, a ausência de oferta de imóveis
para locação e a redução das construções
por falta de investidores e dificuldades da população
em obter moradia, seja própria, seja locada. A garantia da
fiança com a exceção que permite a execução
do imóvel tido como bem de família ao contrário
de violar o direito à moradia, garante a todos o acesso a
esta com o fomento das construções imobiliárias
e estimulo a locação de imóveis, atendendo
não só o direito a propriedade de quem aluga, como
também o direito a moradia de quem loca. É neste sentido
mais amplo que se deve analisar os princípios e leis., visando
a paz social e o bem estar comum e não a caridade aparente
que poderá gerar o colapso do sistema. Quem deve garantir
o acesso à moradia é o Estado em parceria com todos
os cidadãos, mas não um único cidadão
suportar sozinho os riscos para garantir o direito a outro em prejuízo
próprio. Assim, entendo perfeitamente válida a constrição
do imóvel utilizado como moradia da família."
Tão escorreito é o entendimento da juíza Tereza
de Andrade de Castro Neves, que não há necessidade
de dizer-se mais nada sobre a plena constitucionalidade do disposto
no inciso VII da Lei n° 8.009/2000, agora despropositadamente,
inquinado de inconstitucional pela decisão isolada do Ministro
Carlos Veloso.
Cabe acrescentar, apenas, que tal dispositivo nasceu da vontade
da sociedade brasileira, em dezenas de debates realizadas por aqueles
que realmente vivem o drama da locação, ou seja os
locadores, os locatários, estes bravamente defendidos e representados
pela corajosa Presidenta da "Associação Nacional
do Inquilinos Intranqüilos", Maria Elisa Barbosa Jardim,
as entidades FENADI, SECOVI,s de todos os Estados Brasileiros, ABAMI,
ABADI, ABRASCE, ALOJERJ, COFECI, SINDUSCON, CBCI, IRB, os advogados,
os economistas, os contadores, e outros, enfim, por todos aqueles
que direta ou indiretamente lidam com locações de
imóveis ( e quem não é ou locador ou locatário
?).
Por ter sido a Lei do Inquilinato escrita pelos integrantes da sociedade,
e não em gabinetes por burocratas de plantão, em 1991
a impressa escrita registrou: "Ciclo encerrado" (Jornal
do Brasil); "Novo Inquilinato" (Folha de São Paulo)
e " O Imóvel volta a ser opção para aplicar
com segurança" (O Estado de São Paulo) e o artigo
do então Deputado Gustavo Krause publicado no jornal O Globo
com o sugestivo e auto-explicativo título: "Nem lo(u)cador,
nem loca(o)tário."
E o que viram todas essas pessoas e entidades ?
Verificaram que os locatários, antes de 1991, não
conseguiam alugar imóveis porque não tinham como apresentar
fiador proprietário de mais de um imóvel.
Chegou-se ao ponto de que o pai não conseguia ser fiador
para o seu próprio filho, porque era proprietário
de apenas o imóvel no qual residia.
Se vier a prevalecer a decisão isolada do Ministro Carlos
Veloso, o que não acreditamos, novamente os locatários
ficarão desamparados, porque não conseguirão
realizar novas locações, e o caos locatício
que foi brilhantemente afastado pela Lei do Inquilinato voltará
com toda a força.
Jogar-se-á fora aquilo que penosamente foi conquistado pelos
locatários, frize-se bem pelos locatários.
Pergunta: Outra polêmica referente a esta questão,
diz respeito à obrigatoriedade de que a dívida, quando
não quitada pelo inquilino ou fiador, agora deve ser paga
pela administradora de imóveis. Essa informação
é verdadeira? Em caso afirmativo, como as imobiliárias
poderão se proteger ?
Resposta: Isso é um arrematado absurdo ! A empresa administradora
de imóveis, assim como os advogados, contadores, economistas
e outros que prestam os serviços de administrar locações,
ou seja pesquisa sobre os candidatos, locatário e fiadores,
elaboração do contrato de locação, pagar
encargos, receber as verbas locatícias, solucionar pendências
entre o locador e o locatário, representar o locador perante
entidades públicas e privadas, cumprir obrigações
tributárias, previdenciárias e trabalhistas, desde
que tenham agido com competência nada têm a temer.
Por outro lado, os contratos de locação já
firmados em data anterior à decisão monocrática
do Ministro Carlos Veloso, de 25 de abril de 2005, são plenamente
válidos, porque pactuados sob a égide da lei até
então não inquinada de inconstitucional.
Essa mesma validade perdurará até que venha a transitar
em julgado dita decisão, se é que um dia isso venha
a ocorrer.
Se transitar em julgado, ai sim, somente a partir daí os
profissionais não deverão mais aceitar fiança
a ser prestada por pessoa que não possua outros imóveis
além daquele no qual reside com a sua família, salvo
se o próprio locador, prévia e expressamente advertido
pelo administrador, assinar ele mesmo o contrato de locação,
eximindo, dessa forma, o administrador de qualquer responsabilidade
civil, caso locatário e fiador não cumpram suas obrigações.
Nada, pois, de preocupações desnecessárias,
neste momento.
Pergunta: Que conseqüências (a curto, médio e
longo prazo) a extinção das garantias ao locador do
imóvel podem trazer para o mercado de locações?
Um verdadeiro desastre. De proporções maiores do
que o "tsumani" asiático.
Os locatários não encontrarão fiadores proprietários
de mais de um imóvel. Ficarão "debaixo das pontes".
Os locadores, como ocorria antes da vigência da Lei do Inquilinato,
em 1991, não darão mais os seus imóveis em
locação.
O déficit habitacional aumentará.
A crise social baterá à porta de todas as famílias.
Tão equivocada foi, e é, a decisão do Ministro
Carlos Veloso que já começam a pipocar outras desastradas
decisões, como aquela tomada pelo Desembargador Otávio
Augusto de Freitas Barcelos, da 15ª. Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no Mandado de
Segurança n° 700116110292, ao deferir liminar, no dia
04 de maio de 2005, para suspender leilão de imóvel
de fiador, fundamentando a sua decisão com os termos da decisão
do Ministro Carlos Veloso do dia 25 de abril de 2005, que nem oficialmente
estava publicada !
Veja-se a velocidade das "ondas tsumanis" !
Pergunta: Os representantes do mercado imobiliário já
começaram a agir para evitar que ocorra um colápso
no mercado de locações, provocado pela recente decisão
do STF?
A indigitada decisão, conforme já acentuei, não
é do Supremo Tribunal Federal. É decisão monocrática
do Ministro Carlos Velloso. Felizmente vivemos em pleno regime democrático
de direito e dessa decisão cabe recurso, a fim de ser apreciado
por outros Ministros.
A FENADI - representando a ABAMI, ABMI, os SECOVI,s de todos os
Estados Brasileiros, integrantes da CCAI Câmara de Comércio
de Administração Imobiliária - vinculada à
Confederação Nacional do Comércio, presidida
pelo dr. Pedro Wähmann, Presidente do SECOVI do Estado do Rio
de Janeiro, um dos sólidos baluartes na luta pelos direitos
dos locadores e locatários - já ofereceu o recurso
cabível, a fim de o Supremo Tribunal Federal se pronuncie
de modo pleno sobre a questão.
Temos esperança de que o próprio Ministro Carlos Velloso
reveja sua decisão, ou, então, que os demais integrantes
do Supremo Tribunal Federal, reformem a decisão monocrática
posta em pauta.
Pergunta: Embora a decisão do STF não exonere o fiador
(a mesma elimina a possibibilidade de penhora do único bem
de família do fiador), a exoneração da fiança
tem sido colocada em xeque com muita freqüência ao longo
dos últimos anos. Se uma decisão futura do STF abrir
precedentes para exoneração do fiador, que riscos
o setor poderá enfrentar?
Resposta: Essa é outra questão que está atormentando
o mercado de locações.
Certos ministros do Superior Tribunal de Justiça, não
todos, e não o Supremo Tribunal Federal, estão entendo
que a fiança tem validade somente dentro do prazo inicial
da locação. Terminado o prazo certo contratual e prorrogada
a locação por prazo indeterminado o fiador poderá
eximir-se a da sua obrigação locatícia.
É, no entanto, inteiramente equivocado esse entendimento.
Com efeito, o art. 39 da Lei do Inquilinato é expresso em
afirmar que "salvo disposição contratual em contrário,
qualquer das garantias da locação se estende até
a efetiva devolução do imóvel".
A Lei do Inquilinato é lei ordinária e especial. O
Código Civil é lei ordinária e geral. Ambas
estão no mesmo nível hierárquico. No entanto,
a lei especial se sobrepõe à lei geral em tudo aquilo
que ela dispuser de modo diferente. Tanto isso é verdadeiro
que o próprio Novo Código Civil no seu art. 2.036
dispõe que: "A locação de prédio
urbano, que está sujeita à lei especial, por esta
continua a ser regida".
Logo, o Superior Tribunal de Justiça, como guardião
da lei infraconstitucional tem o dever de fazer com que as decisões
judiciais de primeiro e segundo graus respeitem a regra no sentido
de que a responsabilidade do fiador se estenda até a efetiva
devolução do imóvel.
Acontece que depois da edição da Súmula 214
- que diz, de modo correto, que "o fiador da locação
não responde por obrigação resultante de aditamento
ao qual não anuiu" - alguns Ministros do STJ passaram
a permitir a exoneração do fiador sob os argumentos
(1) de que a fiança deverá ser interpretada de modo
restritivo (2) que ninguém é obrigado a permanecer
fiador a vida inteira.
Ora, a fiança na locação é para garantir
a mesma locação até a efetiva devolução
do imóvel. Findo o prazo ajustado se o locatário continuar
na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição
do locador, presumir-se-á prorrogada a locação
por prazo indeterminado, mantidas as mesmas condições
do contrato. São disposições legais previstas
no § 1° do art. 46 (locação residencial)
e no parágrafo único do art. 56 (locação
não residencial). Vale dizer, a locação é
prorrogada por vontade do locatário em permanecer no imóvel
sob o manto da lei. Portanto, não ocorre ai "aditamento"
ao contrato, mas, sim, incidência da lei. Logo, não
guarda o menor sentido, e sem qualquer amparo legal, as decisões
que exoneram o fiador com espeque na mencionada Sumula 214 de STJ.
Felizmente, diante de tenaz trabalho jurídico desenvolvido
pelos advogados da FENADI, CCAI, SECOVI,s., ABAMI e ABMI diversas
decisões tem sido ultimamente proferidas reafirmando a plena
vigência do disposto no art. 39 da Lei do Inquilinato, e,
espero, que, em breve, a Seção competente harmonize
as decisões divergentes entre as Turmas, colocando uma pá
de cal no desassossego reinante no mercado de locações,
em prejuízo dos próprios locatários, que poderão
ser despejados à mingua de garantidor das obrigações
locatícias.
Pergunta: Estamos voltando ao período anterior à sanção
da Lei 8.245/91, fase de instabilidade e desequilíbrio da
relação entre locadores e locatários ?
Infelizmente, sim.
A instabilidade que reinava antes de 1991, e que foi espanada com
a edição da Lei n° 8.145/1991, está aos
poucos voltando.
De notar que não são fatos sociais que estão
gerando tal instabilidade, mas, sim, essas esdrúxulas decisões
judiciais!
Aos poucos o enorme esforço realizado por todos aqueles que
mourejam no mercado imobiliário está indo por água
abaixo.
Estão afastando as mãos dadas por locadores e locatários,
que uníssonos levantaram a bandeira branca contra as incertezas
que viviam, para passarem a conviver na mais absoluta paz, que já
perdura há mais de treze anos.
Em 1991 acabou-se o pêndulo, ora de lei a favor do locador
e contra o locatário. Ora de lei a favor do locatário
e contra o locador.
Não. Estabeleceu-se regime legal no qual ambas as partes
estão com seus direitos e deveres no mesmo nível.
Ninguém é contra ninguém.
Ambos os lados estão irmanados. A paz voltou a imperar.
Vale a pena relembrar o que escreveu o então deputado federal
Gustavo Krause, quando os homens e mulheres, que labutaram durante
meses na elaboração do Anteprojeto da lei o entregaram
ao Governo e este por ter vislumbrado a perfeição
do projeto de lei, remeteu-o ao Congresso Nacional em regime de
urgência, sem a mínima modificação: "Com
esse propósito o projeto apresenta uma virtude e algumas
providências importantes. A virtude consiste no debate que
envolveu uma ampla representação social. Desta forma,
o projeto chega ao Congresso com razoável taxa de consensualidade
e aceitável lastro de legitimidade democrática".
Ou seja, o então Projeto da Lei do Inquilinato não
foi editado por escribas fora e alheios da realidade do mercado
de locações, nem oferecido pelo Chefe do Poder Executivo
da época.
Ao contrário, foi a sociedade brasileira, por seus legítimos
representantes, quem escreveu a Lei do Inquilinato, procurando conciliar
tudo e conseguiu nesses longos treze anos de sua trajetória.
Não nasceu do conforto dos vistosos gabinetes de estofados
tapetes. Veio da poeira dos sapatos dos homens do povo. Veio para
resolver. Não veio para confundir.
É pena que alguns poucos venham estragar tudo aquilo que
foi construído com amor e sensibilidade para as agruras daqueles
que necessitam alugar imóveis para as suas moradias.
Preocupa-me a situação das próximas gerações
de pretendentes a locação de imóveis, em razão
dos estragos que estão pretendendo realizar na Lei do Inquilinato,
com decisões judiciais ilegais e distanciadas da realidade
social.
Ainda bem que muitas "Teresas de Andrade Castro Neves"
existem no seio do Poder Judiciário, e inúmeros e
talentosos advogados, como o dr. Luiz Fernando Marin, estão
debruçados sobre o problema buscando argumentos técnicos,
jurídicos e sociais para demonstrarem aos julgadores que
estão na contra mão da história, e que suas
canetas estão chocando "ovos" dos quais poderão
nascer "serpentes", que devorarão os locatários,
cujas decisões, diz-se, pretende-se proteger.
Pergunta: O Sr. Poderia contar a trajetória da legislação
inquilinária do Brasil, já que é um dos pilares
dessa História ?
A partir do mês de maio de 1989, por sugestão do deputado
Francisco Dorneles e a pedido da FENADI e da ABADI o hoje Desembargador
Sylvio Capanema de Souza, o professor Pedro Cantizano e eu elaboramos
anteprojeto de uma nova lei do inquilinato que resolvesse os problemas
então existentes. Trabalhamos de maio a setembro de 1989.
Submetemos o anteprojeto aos membros da Convenção
Nacional, realizada em Curitiba, no Paraná, onde foram oferecidas
varias sugestões por locadores e locatários, foi aprovado
e encaminhado pela FENADI à Presidência da República.
Em setembro de 1990, mediante a Portaria Interministerial n°
234, foi criada a Comissão Interministerial encarregada de
elaborar o Projeto de lei governamental, cujos estudos tiveram por
base o anteprojeto de havíamos elaborado. Dessa Comissão
fizemos parte juntamente com os representantes do Ministério
da Ação Social; Ministério da Economia, Fazenda
e Planejamento e do Ministério da Justiça; advogados;
representantes dos locatários de lojas de rua e de Shoppings;
da FENADI; da CBCI; da Associação Nacional dos Inquilinos
Intranqüilos; da ABADI; da ABRASCE; da ALOJERJ; do COFECI;
do CRECI de São Paulo; do IRB; do SECOVI; do SINDUSCON; do
PROCON de Brasília; além de magistrados e muitas outras
pessoas, pessoalmente ou mediante sugestões escritas. Reuníamos
todas as segundas e terças-feiras de setembro de 1990 até
abril de 1991. Inúmeras reuniões e audiências
públicas. Escrevemos diversos "borrões"
até chegar ao texto definitivo. Nesse meio tempo o deputado
Nilson Gibson, apresentou como Projeto de Lei, que recebeu o n°
372, a íntegra do anteprojeto que havíamos redigido.
Em abril de 1991 o anteprojeto da Comissão Interministerial
ficou pronto; entregue ao Governo Federal e este, sem ter efetuado
a mínima modificação no seu texto, o remeteu
ao Congresso Nacional, em caráter de urgência, tendo
afirmado na Mensagem encaminhativa:
"Reunindo os segmentos mais representativos da sociedade, buscou
a Comissão ouvir, de forma ampla, locadores, locatários,
administradores de imóveis e construtores, e, a partir de
inúmeras sugestões encaminhadas, dar expressão
jurídica às inquietações que envolvem
o mercado de locações de imóveis".
Quando o Projeto de Lei chegou à Câmara dos Deputados,
por sugestão do empresário Marconi Nuldeman, fui convidado
pelo deputado relator Gilson Machado, da Comissão de Economia,
Industria e Comércio, para assessorá-lo no estudo
das 207 emendas apresentadas pelos deputados, bem como elaborar
as minutas do relatório e do substitutivo, cujo trabalho
final foi aprovado no dia 18 de junho de 1991. Nesse momento aconteceu
fato inédito no Congresso Nacional: os relatores da Comissão
de Constituição e Justiça e de Redação,
deputado Renato Viana; Comissão de Desenvolvimento Urbano
e Interior, deputado Gustavo Krause, e da Comissão de Defesa
do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, deputado Aécio Neves,
aderiram a esse relatório, substitutivo e projeto, de modo
total, integral e absoluto assinado-o em conjunto, porque não
haviam mais divergências a serem apuradas naquela ocasião,
tendo a seguir sido aprovado o Projeto no Plenário da Câmara
Federal em penas duas sessões, em junho de 1991, uma vez
que a sociedade brasileira forjou a nova lei com o propósito
de solucionar todas as questões que afligiam os locadores
e locatários. Em julho de 1991 houve o recesso do Congresso
Nacional. Em agosto de 1991, no Senado Federal, fui convidado pelo
relator senador Elcio Álvares para assessorá-lo e
ajudá-lo no estudo das 18 emendas apresentadas pelos senadores,
assim como, por igual, redigir os pareceres e substitutivo. Registre-se
que, naquele momento, os senadores receberam inédito documento
assinado por representantes de locadores e locatários, dizendo:
A FENADI e a Associação dos Inquilinos solicitam a
V. Exa. o comparecimento à votação acima referida,
que está na Ordem do Dia do dia 4 de setembro de 1991, nesta
quarta-feira, às 14h30. Essas entidades solicitam a V. Exa..
que votem o referido projeto, observando o esforço havido
na Câmara dos Deputados, com um parecer único, elaborado
pelos quatro Relatores das quatro Comissões."
O Senado Federal aprovou doze emendas e o Projeto voltou à
Câmara Federal, onde foram aceitas onze emendas e rejeitada
uma delas, a emenda que hoje é o art. 82 da Lei n° 8.245/1991,
para criar a favor do locatário a possibilidade de que ele
locatário apresente fiador proprietário de um único
imóvel de sua residência, por isso a Câmara Federal
rejeitou a emenda do Senado Federal e hoje existe o art. 82, que
criou a exceção que permite a penhora do único
imóvel residencial do fiador, cujo instituto está
agora sendo inquinado de inconstitucional, sem razão.
Nós, e outros, demos nossa contribuição para
a pacificação no relacionamento entre locadores e
locatários.
Conseguimos nosso objetivo.
Acabaram as ações de despejo por retomada.
Somente umas poucas ações renovatórias são
aforadas, quase todas tão somente para garantia do direito
à renovação compulsória e logo a seguir
são extintas, por acordo entre locatário e locador.
As ações consignatórias são em números
ínfimos.
Apenas as ações de despejo por falta de pagamento
existem em quantidade expressiva, não por deficiência
do texto da lei do inquilinato, mas em conseqüência dos
desempregos e das dificuldades financeiras dos locatários.
O certo é que o mercado de locações a partir
da Lei n° 8.245/de 1991 passou a viver em paz, ao contrário
dos anteriores regimes "pendulares", ora para o lado dos
locadores, ora para o lado dos locatários, sem resolver as
aflitivas e tormentosas questões.
Pena que, agora, certas nuvens negras estão surgindo, vindas
de decisões judiciais desastrosas ...
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