Ainda
a responsabilidade do fiador na locação urbana
Geraldo
Beire Simões (*)
1. O Boletim de Direito
Imobiliário n°
05/2007 (pág. 06/07) publica artigo de autoria do advogado e professor dr. Luiz
Antônio Scavone Junior sob o título
“O fiador e a prorrogação do contrato de locação”, em cujo
trabalho fala que em “recente jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça” “firmou o entendimento segundo o qual, mesmo havendo cláusula expressa
que preveja a obrigação até a entrega das chaves, o fiador não pode ser
responsabilizado por débitos referentes ao período de prorrogação ao qual não
anuiu, na esteira do enunciado n°
214 da Súmula/STJ.”
2. No aludido trabalho o
mencionado articulista menciona o voto proferido pelo Ministro Gilson Dipp
no Ag.Rg no RESP n°
833.492-SP, julgado no dia 12 de setembro de 2006 (anote-se essa data,
porque importante para o que se vai dizer a seguir),
Menciona, ainda, o voto proferido pela Ministra Laurita Vaz no Ag.Rg no RESP 832.271-SP, julgado no dia
19 de outubro de 2006 (anote-se
também essa data, porque importante para o que se vai dizer a seguir).
E externa a sua opinião
no sentido de que “Portanto, não importa se o fiador firmou contrato
mediante o qual se obrigou até a efetiva entrega das chaves ou mesmo se
renunciou ao direito de pedir exoneração.” “Seja como for, – continua – uma
vez terminado o prazo originalmente contratado, o fiador estará livre do pesado
mister de garantir a locação.”
3. Ainda no mesmo Boletim
de Direito Imobiliário n°
05/2007 (pág. 0914) está estampado
Acórdão proferido no Ag.Rg no Agravo de Instrumento n° 769.366-RJ (2006/0091402-5), julgado no dia
21 de novembro de 2006 (anote-se ainda essa data, porque importante para o que se vai
dizer a seguir), cujo feito teve como
relator o Ministro Gilson Dipp, debaixado da seguinte ementa:
“I -O Superior Tribunal de Justiça já pacificou entendimento no
sentido de que a fiança como contrato benéfico, não admite a sua interpretação
extensiva, não tendo eficácia a cláusula contratual que preveja a obrigação
fidejussória até a entrega das chaves, ou que pretenda afastar a disposição do
art. 819 do Código Civil (1.483 de CC/16). Assim, há que se ter com termo final
do período a que se obrigaram os fiadores a data na qual se extinguiu a avença
locativa originária, impondo-se afastar,
para fins de responsabilização afiançatória, o lapso temporal que se
seguiu, creditado à conta de prorrogação do contrato”. “II – A impossibilidade
de conferir interpretação extensiva à fiança locativa, consoante pacífico
entendimento dessa Eg. Corte, torna, na hipótese, irrelevante, para o efeito de
se aferir o lapso temporal da obrigação do fiador até a entrega das chaves.
Precedentes.”
4. Todavia, não se revestem da mínima razão tanto a
opinião do dr. Luiz Antônio Scavone
Junior, quanto os entendimentos dos
Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz.
5. Consoante já ressaltado, os
arestos invocados pelo articulista foram julgados pela 5a. Turma nos
dias 12 de setembro de 2006 (Ag.Rg
no RESP n°
833.492-SP) e 19 de outubro de 2006
(Ag.Rg no RESP 832.271-SP),
respectivamente, e o acórdão do Ag.Rg
no Agravo de Instrumento n°
769.366-SP foi julgado no dia 21 de novembro de 2006.
6. Ocorre que - conforme ressaltamos no nosso trabalho
publicado no DLI n°
35/2006, pág. 03) - no DIA 22 DE
NOVEMBRO DE 2006, em data
posterior às antes mencionadas, a TERCEIRA SEÇÃO do Superior
Tribunal de Justiça - composta pelos
ministros integrantes das 5a. e 6a. Turmas, competentes
para conhecer e julgar questões de locação - no julgamento dos Embargos de
Divergência no RESP 566.633-CE (registro 2004/0102172-5), mediante os votos
dos Ministros Paulo Medina, Hélio Quáglia Barbosa, Arnaldo Esteves, Hamilton
Carvalhido e Paulo Galotti, firmou
o entendimento, como de fato firmado restou, no sentido de que “se o
contrato de locação contiver cláusula que obrigue o fiador até a entrega das
chaves mesmo na hipótese de prorrogação do contrato, revela que este tinha
plena ciência de que o vínculo poderia avançar a prazo indeterminado, devendo o
fiador responder pelos débitos gerados pelo afiançado.”
Decidiu, ainda, a
aludida Terceira Seção “remeter o acórdão à Comissão de Jurisprudência,
para revisão da Súmula n° 214”.
7. Ora, diante da decisão
tomada pela Terceira Seção do STJ todas as decisões contrárias àquela tomada no
ERESP 566.663-CE irão para o museu de entendimentos sem fundamentos técnicos
que pudessem justificar o descumprimento da expressa regra contida no art.
39 da Lei n° 8.245/91, justamente
por aqueles que são os guardiões da legislação infraconstitucional.
8. Desse modo, diferentemente da opinião do dr. Luiz Antonio Scavone Junior a
recente jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, essa, sim, na
verdade recente, e, principalmente, tomada pela Terceira Seção, regimental e
hierarquicamente superior às decisões
isoladas quer das 5a. ou
6a. Turmas, quer dos votos monocráticos dos seus Ministros,
assentou como devia, e deve, que o
fiador é responsável pelos débitos de seu afiançado seja durante o prazo
determinado, seja no prazo indeterminado, salvo se houver expressa previsão
contratual em sentido contrário.
9. Outro importante aspecto
presente na decisão da Terceira Seção foi a remessa do acórdão à Comissão de
Jurisprudência, para revisão da Súmula n°
214.
Relembrando, o disposto na Súmula n° 214 diz: “O fiador na locação não
responde por obrigação resultante de aditamento ao qual não
anuiu.”
Correta a disposição dessa Sumula 214, porque não se pode
imputar ao fiador qualquer obrigação acertada entre o locador e o locatário sem
que, ele fiador, tenha anuído.
10. Acontece que determinados
julgadores, até mesmo Ministros do STJ, passaram a emprestar a essa Súmula 214 interpretações
inteiramente equivocadas, como
aquelas que entendiam que a prorrogação da locação, decorrente de disposição expressada no § 1° do art. 46 da Lei n° 8.245/91,
segundo o qual “findo o prazo ajustado, se o locatário
continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição
do locador, presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas
as demais cláusulas e condições do contrato.” A mesma idéia está prevista no parágrafo único do art. 56 da
Lei n°
8.245/91.
Ora, atinge as raias do absurdo entender-se, como alguns
entendiam, que essa prorrogação do
prazo da locação, mantidas as condições do contrato, importaria em “aditamento”
ao qual o fiador não teria anuído.
Por isso, será muito bom que a Comissão de Jurisprudência do STJ ao efetuar a revisão da Súmula n° 214 deixe bem claro qual o seu real propósito, para tranqüilidade do
mercado de locação.
11. No que se referem aos votos
proferidos pelos Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz nos apontados AgRg
no RESP-SP n° 833.492 e AgRg no RESP 832.271-SP, bem como
no AgRg no AI n°
769.366-RJ e naqueles citados como precedentes pelo Ministro Gilson
Dipp perderam as suas áureas diante
da decisão da TERCEIRA SEÇÃO DO STJ nos autos do ERESP n° 566.633.
12. Essa decisão do Superior
Tribunal de Justiça deverá ser seguida pelos
Tribunais de Justiça dos Estados
Brasileiros.
13. O Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, através
do ORGÃO ESPECIAL, ou seja formado pelos 25 Desembargadores mais antigos, nos autos da UNIFORMIZAÇÃO DE
JURISPRUDÊNCIA, processo 2006.018.00006, em sessão plenária, realizada no dia 27 de janeiro de 2007, pelos votos dos desembargadores Sylvio Capanema de Souza, Marcus Faver, Laerson Mauro, Celso Guedes,
Mariana Pereira Nunes, Roberto Cortes, Helena Beckor, Marcus Tullius Alves,
Gamaliel Q. de Souza, Maria Henriqueta Lobo, Nascimento Povoas Vaz, Sergio de
Souza Verani, Nilza Bitar, Paulo Gustavo Horta, Paulo Cesar Salomão, Milton Fernandes de Souza, e Nildson Araujo
da Cruz, decidiu acolher a Uniformização da Jurisprudência, e
firmar a tese jurídica no sentido de
que:
“Nos contratos
de locação responde o fiador pelas obrigações futuras após a prorrogação do
contrato por prazo indeterminado se assim anuiu expressamente e não se exonerou
na forma da lei.”
14. Com essa Uniformização de
Jurisprudência os desembargadores
integrantes das Câmaras Cíveis e os juizes de primeira grau do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro deverão seguir o norte indicado pelo Órgão
Especial e, certamente, deixarão de lado a equivocada aplicação da Súmula 214
do STJ, cuja súmula foi corretamente interpretada pelo próprio Superior
Tribunal de Justiça no ERESP 566.633.
Tudo isso em respeito à
expressa disposição especial contida no
art. 39 da Lei do Inquilinato que determina que “Salvo disposição
contratual em contrário, qualquer das
garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel.”
Prevaleceu, enfim, o
respeito à regra especial da Lei do Inquilinato em contrapartida à lei
geral esculpida no Código Civil, código esse, aliás, que no seu art. 2.036, foi expresso em assentar que “A
locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta
continua a ser regida”.
Roma
locuta. Tollitur quaestio.
Geraldo
Beire Simões,
é
advogado especializado em direito imobiliário e
Presidente
da ABAMI no Rio de Janeiro, RJ.